Foi publicada
hoje no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho decisão da lavra do Corregedor-Geral
da Justiça do Trabalho, Ministro João Batista Brito Pereira, que julgou
improcedente o Pedido de Providências nº 0024251-38.2015.5.00.0000, proposto
perante o Tribunal Superior do Trabalho pelo Consulado Geral da República de
Angola no Rio de Janeiro.
Trata-se de medida
interposta contra atos atribuídos ao Juízo da 11ª Vara do Trabalho do Rio de
Janeiro, consistentes na ordem de penhora, via Bacen Jud, de numerário na sua
conta bancária e penhora de veículos de sua propriedade, para garantir a
execução que se processa nos autos da Reclamação Trabalhista nº
0026700-16.2009.5.01.0011, proposta pelo Sr. José Gomes Barbosa.
O Consulado invoca
em seu favor a imunidade de execução, com suporte na Convenção de Viena celebrada
em 1963, ratificada pelo Estado Brasileiro através do Decreto nº 56.435, de 8
de junho de 1965, e em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
E conclui,
segundo consta na publicação oficial, que a "constrição de bens de Estado estrangeiro utilizados em atividade diplomática
e consular importa dano irreparável a República de Angola, as relações
diplomáticas e comerciais entre Brasil e Angola e a segurança jurídica
internacional (expressamente tutelada no art. 4° da Constituição Federal),
evidenciando a potencial ineficácia da ordem judicial concedida a final,
justificando assim a suspensão liminar do ato impugnado. Resta evidenciado, em
conclusão, que a luz do sistema jurídico brasileiro, da normativa internacional
e da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal
Federal, inexiste amparo jurídico para medidas constritivas sobre bens de
Estado estrangeiro".
Por considerar
tratar-se de situação excepcional, a justificar um provimento cautelar até concluir
o exame completo da questão, visando a prevenir lesão de difícil reparação, o
Ministro Corregedor determinou a suspensão da execução, até ulterior decisão a
ser proferida, e requisitou informações ao Juízo da 11ª Vara do Trabalho do Rio
de Janeiro.
O Juízo encaminhou as informações, relatando a celebração de acordo na execução entre o Consulado e o
Sr. José Gomes Barbosa, por meio do qual a repartição consular se obrigou ao
pagamento da importância liquida de R$ 172.000,00, em 43 parcelas de R$ 4.000,00,
mediante depósito em conta corrente.
Segundo as razões
de decidir adotadas pelo Ministro Corregedor, que rejeitou o pedido de suspensão
dos efeitos dos atos de constrição formulado pelo Consulado da República de
Angola, “a imunidade de execução do
Estado estrangeiro é relativa”, destacando-se os seguintes fundamentos, ipsis litteris:
“No caso em exame a questão envolve a autoridade
da coisa julgada que reconheceu o direito a parcelas decorrentes da relação de
trabalho. Somente esse fato constitui razão suficiente para afastar, in casu, a
famigerada imunidade de execução. (...) Ademais,
o requerente celebrou acordo judicial com o requerido na fase de execução,
comprometendo-se a pagar a dívida trabalhista em parcelas mensais (...). Aludido acordo foi cumprido em parte. Estes
atos (acordo e cumprimento parcial) são incompatíveis com a defesa da imunidade
de execução em favor do requerente e equivale a renuncia expressa da garantia
da imunidade. (...) Além disso, não
houve comprovação de que os valores bloqueados são afetados à atividade do
Consulado. Não basta o Consulado declarar que suas contas bancárias estão
vinculados à missão diplomática, tem de comprovar, de forma clara, que os bens indicados
para penhora têm relação direta com a atividade de diplomacia. (...)”
Todavia, sempre com a devida
vênia, os fundamentos adotados pelo Exmo. Ministro Corregedor reafirmam o posicionamento flexível do Tribunal Superior do Trabalho quanto a uma máxima inquebrantável das relações internacionais
entre Estados Estrangeiros soberanos: a inviolabilidade dos bens destinados às
atividades diplomáticas ou consulares.
Ora, não se trata de uma "famigerada" imunidade, mas do alicerce que equilibra as relações internacionais entre os Estados soberanos. Imagine-se, então, se os demais países resolverem não mais respeitar a imunidade dos bens brasileiros localizados em seu território, dispensando o mesmo tratamento com base no princípio da reciprocidade.
É fato que não há imunidade
absoluta de jurisdição, pois os Estados Estrangeiros podem figurar como réus
em ações perante a Justiça brasileira. No entanto, a imunidade de
execução dos bens afetos às atividades diplomáticas ou consulares reflete um compromisso multilateral assumido pelo Brasil nas suas relações com os demais países, conforme consta no artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Lei nº 56.435, de 8 de junho de 1965.
A determinação e a manutenção
de bloqueio de valores bancários e a penhora de bens móveis são atos de flagrante
ilegalidade, que expõem a relação do Brasil no âmbito internacional a retaliações e submetem de modo inaceitável o Estado Estrangeiro ao risco na demora do provimento jurisdicional final.
Além da subsistência da
medida de constrição patrimonial até que a repartição comprove a vinculação do
bem e dos valores às suas atividades consulares, o que é de improvável
viabilidade e já importa em flagrante violação da imunidade, a exigência de
tais provas implica em violenta ofensa ao sigilo das atividades da repartição
consular.
Portanto, muito mais que um equívoco, a flexibilização da imunidade de execução encampada pelo Tribunal Superior do Trabalho pode dar ensejo a grave incidente diplomático.
Data venia maxima,
é impossível imaginar uma dissociação dos bens (móveis e imóveis) em solo
nacional de propriedade dos Estados Estrangeiros das atividades consulares e
diplomáticas por eles desenvolvidas no país. Nesse sentido, citem-se as
limitações constantes no texto constitucional e o expresso teor do art. 11, §§
2º e 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil.
Inclusive, em recente decisão
proferida em favor dos Estados Unidos da América, a Subseção Especializada em
Dissídios Individuais 2 do TST firmou entendimento de que deve, na verdade, ser produzida prova inconteste de que os bens não são vinculados ao exercício das atividades
de representação consular e diplomática para sua expropriação judicial, e não, do contrário, exigir-se da repartição consular a prova da sua desvinculação.
Na aludida decisão proferida pela
SDI2, rejeitou-se a aplicação de qualquer presunção quanto à desvinculação do
patrimônio às atividades consulares, não cabendo ao Estado Estrangeiro fazer
prova da destinação dos bens indicados à penhora, mas ao exequente comprovar
que o patrimônio não se relaciona com as atividades consulares e diplomáticas.
Assim, pelo entendimento alcançado pela SDI2 do TST, cabe ao exequente e ao Juízo produzir provas da possibilidade de constrição dos bens dos Estados estrangeiros, diferentemente dos fundamentos utilizados pelo Ministro Corregedor para rejeitar o pedido do Consulado de Angola.
É importante destacar, ainda,
que a flexibilização da imunidade de execução emplacada pelo Tribunal Superior
do Trabalho não tem encontrado eco no Supremo Tribunal Federal, cuja
jurisprudência recente tem reiterado o entendimento de que, relativamente aos trâmites
dos processos de execução, impõe-se a imunidade absoluta do patrimônio dos
Estados Estrangeiros em relação à jurisdição brasileira, in verbis:
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - LITÍGIO ENTRE ESTADO
ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO - EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA
LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA
À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO
NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROSNÃO DISPÕEM
DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO,
NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. - O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante
órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista.
(...) Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas,
para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em
inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro,
sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico,
incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes
postulados do direito internacional. (...) A
imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro,
constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda
que guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e
distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito
de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do
título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução,
não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante
Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados
estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista.
(STF - RE 222368 AgR / PE – Segunda Turma; julgamento em 30/4/2002, DJ
14/2/2003, Relator Min. Celso de Mello; Consulado Geral do Japão vs. Espólio de
Iracy Ribeiro de Lima)
Imunidade de jurisdição. Execução fiscal movida pela União contra a
República da Coréia. É da jurisprudência
do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado
estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de
votos. Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003; ACO 522-AgR e 634-AgR,
Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO
645, Gilmar Mendes, DJ 17.3.2003. (STF - ACO 543 AgR / SP –
Tribunal Pleno; julgamento em 30/8/2006, DJ 24/11/2006, Relator Min. Sepúlveda
Pertence, União vs. República da Coréia)
Desse modo, ao contrário do
posicionamento adotado pelo Ministro Corregedor do Tribunal Superior do
Trabalho, o entendimento pacífico e uniforme existente no âmbito do Supremo
Tribunal Federal é da absoluta imunidade de execução dos bens dos Estados
Estrangeiros em face de pretensões executivas em seu desfavor.
Não se deve cogitar de provas da desvinculação dos bens às atividades consulares, portanto, face às reiteradas reafirmações pelo Supremo Tribunal Federal quanto à imperatividade da lei na hipótese, devendo prevalecer o inequívoco comando disposto no artigo 22 da Convenção de Viena
sobre Relações Diplomáticas.