Plenário
do Supremo Tribunal Federal deu provimento, por maioria, a recurso extraordinário interposto contra acórdão que declarara a competência da justiça
estadual para julgar o crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
Supremo Tribunal Federal |
O
Tribunal aduziu que o caso dos autos seria similar ao tratado no RE 398.041/PA, oportunidade em que se teria firmado a competência da
justiça federal para processar e julgar ação penal referente ao crime do art.
149 do CP.
Assim, a Corte assinalou que o constituinte teria dado importância especial à
valorização da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, de maneira que a
existência comprovada de trabalhadores submetidos à escravidão afrontaria não
apenas os princípios constitucionais do art. 5º da CF, mas toda a sociedade, em
seu aspecto moral e ético.
Os
crimes contra a organização do trabalho comportariam outras dimensões, para
além de aspectos puramente orgânicos. Não se cuidaria apenas de velar pela preservação
de um sistema institucional voltado à proteção coletiva dos direitos e deveres
dos trabalhadores. A tutela da organização do trabalho deveria necessariamente
englobar outro elemento: o homem, abarcados aspectos atinentes à sua liberdade,
autodeterminação e dignidade.
Desse modo,
quaisquer condutas violadoras não somente do sistema voltado à proteção dos
direitos e deveres dos trabalhadores, mas também do homem trabalhador, seriam
enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas
no contexto de relações de trabalho. A Constituição teria considerado o ser
humano como um dos componentes axiológicos aptos a dar sentido a todo o
arcabouço jurídico-constitucional pátrio.
Ademais,
teria atribuído à dignidade humana a condição de centro de gravidade de toda a
ordem jurídica. O constituinte, neste sentido, teria outorgado aos princípios
fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem
constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que integrariam o núcleo
essencial da Constituição.
O
STF ponderou que, diante da opção constitucional pela tutela da dignidade
intrínseca do homem, seria inadmissível pensar que o sistema de organização do
trabalho pudesse ser concebido unicamente à luz de órgãos e instituições,
excluído dessa relação o próprio ser humano. O art. 109, VI, da CF estabelece
competir à justiça federal processar e julgar os crimes contra a organização do
trabalho, sem explicitar quais delitos estariam nessa categoria.
Embora houvesse um capítulo destinado a esses crimes no Código Penal,
inexistiria correspondência taxativa entre os delitos capitulados naquele
diploma e os crimes indicados na Constituição, e caberia ao intérprete
verificar em quais casos se estaria diante de delitos contra a organização do
trabalho.
Além disso, o bem jurídico protegido no tipo penal do art. 149 do CP
seria a liberdade individual, compreendida sob o enfoque ético-social e da
dignidade, no sentido de evitar que a pessoa humana fosse transformada em
“res”. A conduta criminosa contra a organização do trabalho atingiria interesse
de ordem geral, que seria a manutenção dos princípios básicos sobre os quais
estruturado o trabalho em todo o País.
A
Corte concluiu que o tipo previsto no art. 149 do CP se caracterizaria como
crime contra a organização do trabalho, e atrairia a competência da justiça
federal. Afastou tese no sentido de que a extensão normativa do crime teria
como resultado o processamento e a condenação de pessoas inocentes pelo simples
fato de se valerem de trabalho prestado em condições ambientais adversas. Sob
esse aspecto, um tipo aberto ou fechado deveria ser interpretado pela justiça
considerada competente nos termos da Constituição. Dessa maneira, a má redação
ou a contrariedade diante da disciplina penal de determinado tema não desautorizaria
a escolha do constituinte.
O
Ministro Luiz Fux pontuou que a competência seria da justiça federal quando
houvesse lesão à organização do trabalho, na hipótese de multiplicidade de
vítimas, de modo que o delito alcançasse uma coletividade de trabalhadores. Na
espécie, o delito vitimara 53 trabalhadores, número expressivo suficiente para
caracterizar a ofensa à organização do trabalho.
O
Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a competência da justiça federal seria
inequívoca quando ocorresse lesão à organização do trabalho, como por exemplo,
nas hipóteses de violação aos direitos humanos, como no caso de negativa a um
grupo de empregados de sair do local. No mais, seria matéria da competência da
justiça estadual. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente) ressaltou que, em
princípio, a competência poderia ser concorrente.
Vencido
o Ministro Cezar Peluso, que negava provimento ao recurso.
Fonte:
Informativo STF nº 809.
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