Decisão
recente da lavra da 9ª Turma do TRT 1ª Região (RJ) rejeitou, nos autos da
Reclamação Trabalhista n. 0010802-73.2014.5.01.0241, o pedido de reconhecimento
da garantia de emprego à gravidez contraída durante contrato de aprendizagem,
dada a ciência prévia das partes a respeito da natureza precária do pacto.
Segundo
noticiado no sítio eletrônico do Tribunal, uma ex-empregada da Contax Mobitel
S.A., empresa que atua no ramo do telemarketing, ingressou com reclamação
trabalhista, alegando ser estável no emprego em razão do seu estado gravídico,
ainda que seu contrato celebrado tenha sido de aprendizagem, com prazo de
término previamente fixado.
Em
sentença, o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Niterói rejeitou o pedido.
Interposto recurso ordinário pela reclamante ao TRT, a desembargadora Cláudia
de Souza Gomes Freire, relatora do recurso, avaliou que não merecia reforma a
decisão.
Segundo
ela, no contrato a termo, as partes têm ciência prévia da natureza precária do
pacto, o que inviabiliza, por inconciliável, a garantia de emprego ou a estabilidade
provisória. A relatora observou, ainda, que o contrato a termo a que se refere
o inciso III da Súmula nº 244 do Tribunal Superior do Trabalho é aquele que
poderá vir a ser transmudado para indeterminado, o que não se coaduna com a
hipótese da aprendizagem, estabelecida pelo artigo 428 da CLT. Os
desembargadores da 9ª Turma acompanharam o voto por unanimidade.
A
decisão foi brilhante, visto que, sem qualquer sombra de dúvidas, os termos do
art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT não
conferem garantia de emprego ou estabilidade provisória a gestante em contratos
a prazo determinado. A ressalva feita quanto à aplicabilidade da absurda Súmula
do TST foi um equívoco periférico, mas, data vênia, grave.
Ora, a
garantia provisória de emprego da gestante encontra-se prevista no art. 10,
inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -
ADCT, que assevera:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei
complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
I - fica limitada
a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista
no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de
1966;
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem
justa causa:
b) da empregada
gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Desse
modo, a garantia de emprego da gestante se opõe a toda e qualquer dispensa
arbitrária ou imotivada, que ocorre através de ato unilateral do empregador.
Todavia, a contratação de determinada empregada através de alguma das poucas
modalidades de contrato a prazo determinado admitidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro (ex vi art. 443 da CLT) não pode dar ensejo à estabilidade em
decorrência de gravidez, pois não há demissão.
Art. 443 da CLT. O contrato individual
de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por
escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
§ 1º Considera-se
como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo
prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de
certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º O contrato
por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a
predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
A tese
ora advogada conta com forte sustentação na doutrina de MAURÍCIO GODINHO
DELGADO[1],
para quem a pactuação regular de contrato de trabalho a prazo determinado
afasta a incidência das garantias de emprego, pois significaria a alteração do
ajuste eficaz e legalmente válido, transformando em contrato a prazo
indeterminado:
“Os contratos a termo propiciam parcelas
rescisórias mais restritas em favor do empregado, se comparadas àquelas
características aos contratos indeterminados no tempo. (...)
Ciente de que os contratos a termo não
atendem aos objetivos básicos do Direito do Trabalho, a legislação busca
restringir ao máximo suas hipóteses de pactuação e de reiteração no contexto da
dinâmica justrabalhista. Contudo, caso licitamente pactuados, não retira o ramo
justrabalhista as consequências próprias e específicas a esse modelo de
contratação empregatícia.
Entre tais consequências está aquela
que informa que, nos contratos a prazo, os institutos da interrupção e
suspensão contratuais não produzem os mesmos efeitos típicos aos contratos
indeterminados. (...)
Os mesmos fundamentos inviabilizam,
efetivamente, conferir-se incidência às garantias de emprego no âmbito dos
contratos a prazo. A prefixação de um termo final ao contrato, em hipóteses
legalmente já restringidas, torna incompatível o posterior acoplamento de uma
consequência legal típica de contratos de duração incerta – e que teria o
condão de indeterminar o contrato, alargando o lapso contratual por período
licitamente pactuado.”
Assim,
uma vez encerrada a relação de trabalho no prazo previamente ajustado entre as
partes para tanto, não há dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas extinção
do contrato pelo decurso do tempo.
A
jurisprudência do Colendo TST sempre foi no sentido de, firmado validamente o
contrato de experiência e rescindido no prazo previamente fixado, não há que se
falar em garantia de emprego para a gestante, visto que a extinção contratual
não decorre de ato arbitrário.
Todavia,
com hipotético suporte em decisão do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal
Superior do Trabalho, em sua sessão plenária de 14/9/2012, realizou mais uma
infeliz mudança radical em sua jurisprudência sumulada, alterando a redação do
item III de sua Súmula 244:
Súmula nº 244 do TST. GESTANTE.
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. (Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012)
I - O desconhecimento do estado
gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização
decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante
só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do
contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos
correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no
art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo
determinado.
Ora,
por que a empregada gestante contratada a prazo determinado tem direito à
estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT, se esse mesmo dispositivo constitucional condiciona a
garantia à ocorrência de dispensa arbitrária ou sem justa causa? Ou será que o
TST considera a extinção de contrato pelo decurso do prazo uma dispensa
imotivada ou discricionária? E quanto ao ato jurídico perfeito, à imutabilidade
das cláusulas contratuais, ao primado da legalidade, à hierarquia das normas
constitucionais?
Não há
qualquer lei que ampare a extensão do contrato de experiência por
superveniência de gravidez. Pelo contrário, o entendimento ofende o disposto no
artigo 468 da CLT, pois “só é lícita a
alteração das respectivas condições (do contrato de trabalho) por mútuo consentimento”.
Além
disso, conforme se extrai da Resolução nº 185/2012, do Tribunal Pleno do TST, divulgada
no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho em 25, 26 e 27/9/2012, a alteração do
aludido item III se encontra fundamentada em jurisprudência do STF totalmente
inespecífica e inaplicável à hipótese de garantias de emprego em contratos a
prazo determinado, consoante se extrai das razões de decidir abaixo
transcritas:
“(...)
Estabelece o art. 10, II, b, do ADCT/88
que é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante,
desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo
qualquer restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho, mesmo porque a
garantia visa à tutela do nascituro.
A matéria já se encontra pacificada
pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que tem se posicionado no
sentido de que as empregadas gestantes, independentemente do regime jurídico de
trabalho, tem direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à
estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o
parto, conforme o art. 7º, XVIII, da Constituição e o art. 10, II,
"b", do ADCT.
Neste sentido cito os seguintes
precedentes:
‘CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE.
CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES. ESTABILIDADE
PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, b, DO ADCT. RECURSO
DESPROVIDO. A empregada sob regime de contratação temporária tem direito à
licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII, da Constituição e do art.
10, II, b, do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos
temporários com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento’. (RE
287.905/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Segunda Turma,
Publicação DJ 30-06-2006) (...)[2]”.
O
precedente do STF reiteradamente utilizado pelo TST como razão da alteração
sumular é inespecífico, pois julga caso de servidora que celebrou sucessivos
contratos temporários, enquanto que a súmula trata de contrato a prazo
determinado extinto pelo decurso do prazo previamente ajustado.
Além
disso, chama a atenção o fato de as decisões que subsidiaram a reformulação do
item III da Súmula 244 do TST, conforme divulgado na referida Resolução nº
185/2012, terem sido, em sua grande parte, proferidas sem unanimidade entre os
ministros julgadores quanto ao mérito da garantia de emprego em contratos a
prazo determinado, sendo a maior parcela das unânimes relacionadas ao não
conhecimento dos apelos.
A nova
redação do item III ofende direta e literalmente diversos dispositivos
constitucionais, a começar pelo próprio comando do art. 10, II, b, do ADCT. Assim, a imutabilidade das
cláusulas do contrato é direito também da empresa, previsto na CLT, devendo ser
protegido ante o disposto no artigo 5º, incisos II e XXXVI, da Constituição
Federal.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) XXXVI -
a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada; (...).
Destaque-se,
ainda, que de acordo com o princípio do silêncio eloquente, o legislador não
escreve palavras inúteis na lei e não silencia em vão. Portanto, verifica-se
que, quando o legislador pretendeu alterar o ordenamento, editou norma para
tanto, como se extrai da Lei nº 12.812/2013, que acresceu à CLT o art. 391-A, de
duvidosa constitucionalidade, mas que não conferiu garantia de emprego à
gestante nos contratos firmados a prazo determinado:
Art. 391-A da CLT. A confirmação do
estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante
o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante
a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias.
Assim,
a alteração do verbete jurisprudencial (Súmula 244, III), promovida através da
Resolução TST nº 185/2012, ofende direta e literalmente o disposto no artigo
5º, incisos II e XXXVI, da Constituição Federal, artigo 10, inciso II, alínea
"b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e artigos
443, caput e §§ 1º e 2º, e 445, parágrafo único, ambos da Consolidação das Leis
do Trabalho.
Destaque-se,
por fim, que muito recentemente, em 5 de abril de 2005, o mesmo Egrégio
Plenário do Tribunal Superior do Trabalho editou a Resolução nº 129, que incorporou
à Súmula 244 o há muito consolidado entendimento da antiga Orientação
Jurisprudencial nº 196, de 8/11/2000:
(Antiga redação) Súmula nº 244. Gestante.
Estabilidade provisória. (...) III - Não
há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de
admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de
emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem
justa causa. (ex-OJ nº 196 - Inserida em 08.11.2000)
Entendimento
perfeito, convergente com a doutrina trabalhista clássica e com os dispositivos
constitucionais e legais aplicáveis ao tema. É preciso, pois, combater com
vigor a equivocada alteração sumular realizada pelo C. TST, sempre com máxima
vênia. Súmulas de jurisprudência são importantes, mas acima de tudo estão os
comandos da Carta Magna, a subsidiar o livre convencimento do magistrado em
decisões contrárias ao novo item III da referida Súmula 244.
Portanto,
à luz da Lei, da doutrina e da melhor jurisprudência pertinentes ao tema, inexistindo
dispensa arbitrária ou sem justa causa com o término da relação empregatícia
firmada a prazo determinado, já que a extinção do contrato se da com o decurso
do termo previamente estipulado, não há que se falar em aplicação da regra do
art. 10, II, “b”, do ADCT e, portanto, em garantia de emprego à gestante
vinculada através de contrato a prazo determinado.