quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Contrário à jurisprudência do STF, TST reafirma entendimento quanto à relatividade da imunidade de execução dos Estados estrangeiros.


Foi publicada hoje no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho decisão da lavra do Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, Ministro João Batista Brito Pereira, que julgou improcedente o Pedido de Providências nº 0024251-38.2015.5.00.0000, proposto perante o Tribunal Superior do Trabalho pelo Consulado Geral da República de Angola no Rio de Janeiro.

Trata-se de medida interposta contra atos atribuídos ao Juízo da 11ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, consistentes na ordem de penhora, via Bacen Jud, de numerário na sua conta bancária e penhora de veículos de sua propriedade, para garantir a execução que se processa nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0026700-16.2009.5.01.0011, proposta pelo Sr. José Gomes Barbosa.

O Consulado invoca em seu favor a imunidade de execução, com suporte na Convenção de Viena celebrada em 1963, ratificada pelo Estado Brasileiro através do Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965, e em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. 

E conclui, segundo consta na publicação oficial, que a "constrição de bens de Estado estrangeiro utilizados em atividade diplomática e consular importa dano irreparável a República de Angola, as relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e Angola e a segurança jurídica internacional (expressamente tutelada no art. 4° da Constituição Federal), evidenciando a potencial ineficácia da ordem judicial concedida a final, justificando assim a suspensão liminar do ato impugnado. Resta evidenciado, em conclusão, que a luz do sistema jurídico brasileiro, da normativa internacional e da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, inexiste amparo jurídico para medidas constritivas sobre bens de Estado estrangeiro".

Por considerar tratar-se de situação excepcional, a justificar um provimento cautelar até concluir o exame completo da questão, visando a prevenir lesão de difícil reparação, o Ministro Corregedor determinou a suspensão da execução, até ulterior decisão a ser proferida, e requisitou informações ao Juízo da 11ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

O Juízo encaminhou as informações, relatando a celebração de acordo na execução entre o Consulado e o Sr. José Gomes Barbosa, por meio do qual a repartição consular se obrigou ao pagamento da importância liquida de R$ 172.000,00, em 43 parcelas de R$ 4.000,00, mediante depósito em conta corrente.

Segundo as razões de decidir adotadas pelo Ministro Corregedor, que rejeitou o pedido de suspensão dos efeitos dos atos de constrição formulado pelo Consulado da República de Angola, “a imunidade de execução do Estado estrangeiro é relativa”, destacando-se os seguintes fundamentos, ipsis litteris:


No caso em exame a questão envolve a autoridade da coisa julgada que reconheceu o direito a parcelas decorrentes da relação de trabalho. Somente esse fato constitui razão suficiente para afastar, in casu, a famigerada imunidade de execução. (...) Ademais, o requerente celebrou acordo judicial com o requerido na fase de execução, comprometendo-se a pagar a dívida trabalhista em parcelas mensais (...). Aludido acordo foi cumprido em parte. Estes atos (acordo e cumprimento parcial) são incompatíveis com a defesa da imunidade de execução em favor do requerente e equivale a renuncia expressa da garantia da imunidade. (...) Além disso, não houve comprovação de que os valores bloqueados são afetados à atividade do Consulado. Não basta o Consulado declarar que suas contas bancárias estão vinculados à missão diplomática, tem de comprovar, de forma clara, que os bens indicados para penhora têm relação direta com a atividade de diplomacia. (...)”


Todavia, sempre com a devida vênia, os fundamentos adotados pelo Exmo. Ministro Corregedor reafirmam o posicionamento flexível do Tribunal Superior do Trabalho quanto a uma máxima inquebrantável das relações internacionais entre Estados Estrangeiros soberanos: a inviolabilidade dos bens destinados às atividades diplomáticas ou consulares. 

Ora, não se trata de uma "famigerada" imunidade, mas do alicerce que equilibra as relações internacionais entre os Estados soberanos. Imagine-se, então, se os demais países resolverem não mais respeitar a imunidade dos bens brasileiros localizados em seu território, dispensando o mesmo tratamento com base no princípio da reciprocidade. 

É fato que não há imunidade absoluta de jurisdição, pois os Estados Estrangeiros podem figurar como réus em ações perante a Justiça brasileira. No entanto, a imunidade de execução dos bens afetos às atividades diplomáticas ou consulares reflete um compromisso multilateral assumido pelo Brasil nas suas relações com os demais países, conforme consta no artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Lei nº 56.435, de 8 de junho de 1965.

A determinação e a manutenção de bloqueio de valores bancários e a penhora de bens móveis são atos de flagrante ilegalidade, que expõem a relação do Brasil no âmbito internacional a retaliações e submetem de modo inaceitável o Estado Estrangeiro ao risco na demora do provimento jurisdicional final. 

Além da subsistência da medida de constrição patrimonial até que a repartição comprove a vinculação do bem e dos valores às suas atividades consulares, o que é de improvável viabilidade e já importa em flagrante violação da imunidade, a exigência de tais provas implica em violenta ofensa ao sigilo das atividades da repartição consular.

Portanto, muito mais que um equívoco, a flexibilização da imunidade de execução encampada pelo Tribunal Superior do Trabalho pode dar ensejo a grave incidente diplomático.

Data venia maxima, é impossível imaginar uma dissociação dos bens (móveis e imóveis) em solo nacional de propriedade dos Estados Estrangeiros das atividades consulares e diplomáticas por eles desenvolvidas no país. Nesse sentido, citem-se as limitações constantes no texto constitucional e o expresso teor do art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

Inclusive, em recente decisão proferida em favor dos Estados Unidos da América, a Subseção Especializada em Dissídios Individuais 2 do TST firmou entendimento de que deve, na verdade, ser produzida prova inconteste de que os bens não são vinculados ao exercício das atividades de representação consular e diplomática para sua expropriação judicial, e não, do contrário, exigir-se da repartição consular a prova da sua desvinculação.

Na aludida decisão proferida pela SDI2, rejeitou-se a aplicação de qualquer presunção quanto à desvinculação do patrimônio às atividades consulares, não cabendo ao Estado Estrangeiro fazer prova da destinação dos bens indicados à penhora, mas ao exequente comprovar que o patrimônio não se relaciona com as atividades consulares e diplomáticas. 

Assim, pelo entendimento alcançado pela SDI2 do TST, cabe ao exequente e ao Juízo produzir provas da possibilidade de constrição dos bens dos Estados estrangeiros, diferentemente dos fundamentos utilizados pelo Ministro Corregedor para rejeitar o pedido do Consulado de Angola. 

É importante destacar, ainda, que a flexibilização da imunidade de execução emplacada pelo Tribunal Superior do Trabalho não tem encontrado eco no Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência recente tem reiterado o entendimento de que, relativamente aos trâmites dos processos de execução, impõe-se a imunidade absoluta do patrimônio dos Estados Estrangeiros em relação à jurisdição brasileira, in verbis:


IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO - EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROSNÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. - O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. (...) Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional. (...) A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. (STF - RE 222368 AgR / PE – Segunda Turma; julgamento em 30/4/2002, DJ 14/2/2003, Relator Min. Celso de Mello; Consulado Geral do Japão vs. Espólio de Iracy Ribeiro de Lima)

Imunidade de jurisdição. Execução fiscal movida pela União contra a República da Coréia. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos. Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003; ACO 522-AgR e 634-AgR, Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO 645, Gilmar Mendes, DJ 17.3.2003. (STF - ACO 543 AgR / SP – Tribunal Pleno; julgamento em 30/8/2006, DJ 24/11/2006, Relator Min. Sepúlveda Pertence, União vs. República da Coréia)


Desse modo, ao contrário do posicionamento adotado pelo Ministro Corregedor do Tribunal Superior do Trabalho, o entendimento pacífico e uniforme existente no âmbito do Supremo Tribunal Federal é da absoluta imunidade de execução dos bens dos Estados Estrangeiros em face de pretensões executivas em seu desfavor. 

Não se deve cogitar de provas da desvinculação dos bens às atividades consulares, portanto, face às reiteradas reafirmações pelo Supremo Tribunal Federal quanto à imperatividade da lei na hipótese, devendo prevalecer o inequívoco comando disposto no artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

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