O governo federal encaminhou ao
Congresso Nacional a Medida Provisória nº 680, que institui o Programa de
Proteção ao Emprego (PPE). A MP foi publicada no Diário Oficial da União dessa
terça-feira (7).
Como expressamente declarado, o PPE tem
como objetivos possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração
da economia, favorecer a recuperação das empresas em dificuldade, sustentar a
demanda agregada para facilitar a recuperação da economia, estimular a
produtividade do trabalho por meio da perenidade do emprego e fomentar a
negociação coletiva.
Apesar da pirotecnia em torno da
divulgação do programa, falta ao ato normativo em questão o essencial para a
sua verdadeira efetividade: o conceito de empresa em dificuldade econômica. Não
se sabe quais as empresas que poderão aderir ao PPE, pois, em que pese a
expressa exigência de que os empregadores se encontrem “em situação de dificuldade econômico-financeira”, o que isso
significa ainda depende das vindouras “condições
e forma (a serem) estabelecidas em
ato do Poder Executivo federal”.
Na prática, os setores que poderão
aderir ao PPE ainda serão definidos pelo Comitê do Programa de Proteção ao
Emprego (CPPE), formado por representantes dos ministérios do Planejamento,
Fazenda, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e
Secretaria-Geral da Presidência da República.
De todo modo, a norma já estabelece que
a adesão ao PPE poderá ter duração de, no máximo, doze meses, podendo ser feita
até 31 de dezembro de 2015. Contudo, mais uma vez a definição do essencial foi
protelada, já que o art. 2º, § 2º, da MP determina que “ato do Poder Executivo federal disporá sobre a possibilidade de
suspensão e interrupção da adesão ao PPE, as condições de permanência no PPE e
as demais regras para o seu funcionamento”.
Em verdade estabelecendo uma hipótese
distinta para uma prática negocial já comum na Região do ABC, em São Paulo, - o
layoff - o art. 3º da MP dispõe que
as empresas que aderirem ao programa poderão reduzir em até 30% (trinta por
cento) a jornada de trabalho de seus empregados, com a redução proporcional do
salário.
Atualmente disciplinado pelo art. 2º-A
da Lei nº 7.998/1990, a lei do seguro-desemprego, o chamado layoff exige previsão em convenção ou
acordo coletivo de trabalho, além de concordância formal do empregador. É uma
alternativa para momentos de crise, pois, na forma vigente, o trabalhador fica
sem salário, recebendo apenas o seguro-desemprego na forma de Bolsa
Qualificação Profissional.
Assim, a MP institui uma nova alternativa
de layoff, sem afastamento do
empregado e sem a necessidade de oferta de curso de qualificação durante o período.
As novas regras introduzidas pela MP,
em consonância com o art. 7º, incisos VI, XIII e XXVI, da Constituição Federal[1], mantém
a imposição de que a redução proporcional da jornada e dos salários seja sempre
condicionada à celebração de acordo coletivo de trabalho específico. Contudo, a
nova norma estabelece como legítimo representante o sindicato de trabalhadores
da categoria da atividade econômica preponderante, tema também remetido à regulamentação
posterior, o que certamente causará controvérsias.
Desde logo, é possível indagar se a MP
pretendeu relativizar o conceito de categoria profissional diferenciada, que
não é representada pela categoria preponderante, independente das atividades
econômicas do empregador. A especificidade da categoria diferenciada impõe a
representação unicamente pelo seu próprio sindicato, nos termos do art. 511, §
3º, da CLT, mas o disposto no art. 3º, § 3º, da referida MP 680 parece
estabelecer algo distinto para a adesão ao PPE.
Nada obstante as incertezas, a MP desde
logo possibilitou a redução temporária da jornada de trabalho para todos os
empregados da empresa ou, no mínimo, para os empregados de um setor específico,
com duração de até seis meses, podendo ser prorrogada desde que o período total
não ultrapasse doze meses.
Os empregados que tiverem sua jornada
de trabalho e seu salário reduzidos farão jus a uma compensação pecuniária
equivalente a cinquenta por cento do valor da redução salarial e limitada a 65%
(sessenta e cinco por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego,
enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho. De
todo modo, o salário a ser pago pelo empregador após a redução salarial não
poderá ser inferior ao valor do salário mínimo.
Por exemplo, numa redução de 30% da
jornada, um trabalhador que recebe hoje R$ 2.500,00 de salário e entra no PPE
passará a receber R$ 2.125,00, sendo que R$ 1.750,00 pagos pelo empregador e R$
375,00 pagos com recursos FAT.
Como contrapartida ao socorro previsto
na MP, as empresas que aderirem ao PPE ficarão proibidas de dispensar
arbitrariamente ou sem justa causa os empregados que tiverem sua jornada de
trabalho temporariamente reduzida enquanto vigorar a adesão e, após o seu
término, durante o prazo equivalente a um terço do período de adesão.
Será excluída do PPE e ficará impedida
de aderir novamente a empresa que descumprir os termos do acordo coletivo de
trabalho relativo à redução da jornada de trabalho ou qualquer outro
dispositivo de sua regulamentação, bem como aquela que cometer fraude no âmbito
do PPE.
Apenas em caso de fraude no âmbito do
PPE a empresa ficará obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos,
devidamente corrigidos, e a pagar multa administrativa correspondente a cem por
cento desse valor.
Por fim, tem-se que, nada obstante o
pagamento da compensação pecuniária no âmbito do Programa de Proteção ao
Emprego ser ônus do Fundo de Amparo ao Trabalhador, as contribuições
previdenciárias e o fundo de garantia deverão ser recolhidos pelo empregador,
considerando a totalidade dos valores percebidos pelo empregado – compensação
PPE mais salários e benefícios contratuais.
A contribuição do empregado e do
empregador para o INSS e FGTS incidirá sobre o salário complementado, ou seja,
sobre 85% do salário original, no caso da redução de 30%. Portanto, a
contribuição patronal para o INSS e para o FGTS incidirá também sobre o salário
complementado, mas, mesmo assim, o custo de salários e encargos para o
empregador será reduzido em 27%.
Saliente-se, por oportuno, que tramitam
no Congresso diversos projetos de lei sobre o tema. Cite-se, ilustrativamente, o
Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 62/2013, que autoriza a adoção da suspensão
dos contratos de trabalho por período de dois a cinco meses, quando o
empregador comprovadamente não puder manter a produção em razão de crise
econômica, afastando a exigência de o empregado participar de cursos de
qualificação profissional.
Sendo assim, como a MP 680 será objeto
de análise pelo Congresso Nacional, que impôs sucessivas derrotas ao Governo em
matérias trabalhistas e fiscais decorrentes do ajuste econômico em curso, é
possível que sofra alterações para ser compatibilizada com projetos de lei
sobre o tema em tramitação no Senado e na Câmara.
A MP até possui embasamento constitucional,
mas na prática significa um intervencionismo estatal em algo que deveria ser
afeto ao âmbito da negociação coletiva. Aspectos como a duração do layoff e o percentual proporcional da
redução dos salários e das jornadas deveriam ser tratados, com exclusivade, na
negociação coletiva direta e bilateral entre empresas e sindicatos dos
trabalhadores.
Apenas a adequação setorial negociada -
conceito defendido pelo Ministro Maurício Godinho Delgado, do Tribunal Superior
do Trabalho – tem elementos concretos suficientes para discutir e negociar as
medidas e o tempo necessários para a recuperação financeira dos envolvidos.
Portanto, em que pese a festividade de lançamento
do PPE, persistem dúvidas quanto às regras para sua utilização, visto que muito
do essencial foi delegado à regulamentação pelo Poder Executivo. Não se sabe,
assim, quais regras serão fixadas e a análise completa quanto à legalidade e à
constitucionalidade do programa deverão aguardar a anunciada regulamentação.
Sem dúvidas, porém, qualquer medida
adotada nesse momento de crise que vise à redução do crescente desemprego no
país deve ser recebida com boa vontade pelos atores econômicos e pelos operadores
do direito. Basta que o Governo trabalhe com transparência e respeite o
processo legislativo, evitando surpresas em atos normativos
infraconstitucionais, de modo que a solução apresentada não se torne uma grande
fonte de celeumas judiciais e insegurança jurídica.
[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI -
irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
(...) XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (...) XXVI -
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (...).
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